segunda-feira, 29 de março de 2010
Sobre livros e leitura, Arthur Schopenhauer
Durante a leitura nossa cabeça é apenas o campo de batalha de pensamentos alheios. Quando estes, finalmente, se retiram, que resta? Daí se segue que aquele que lê muito e quase o dia inteiro, e que nos intervalos se entretém com passatempos triviais, perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria, como quem sempre anda a cavalo acaba esquecendo como se anda a pé.
Este, no entanto, é o caso de muitos eruditos: leram até ficar estúpidos. Porque a leitura contínua, retomada a todo instante, paralisa o espírito ainda mais que um trabalho manual contínuo, já que neste ainda é possível estar absorto nos próprios pensamentos.
Assim como uma mola acaba perdendo sua elasticidade pelo peso contínuo de um corpo estranho, o mesmo acontece com o espírito pela imposição ininterrupta de pensamentos alheios. E assim como o estômago se estraga pelo excesso de alimentação e, desta maneira prejudica o corpo todo, do mesmo modo pode-se também, por excesso de alimentação do espírito, abarrotá-lo e sufocá-lo.
Porque quanto mais lemos menos rastro deixa no espírito o que lemos: é como um quadro negro, no qual muitas coisas foram escritas umas sobre as outras. Assim, não se chega à ruminação [em nota: "Na prática, o fluxo contínuo e forte de novas leituras só serve para acelerar o esquecimento do já lido."]: e só com ela é que nos apropriamos do que lemos, da mesma forma que a comida não nos nutre pelo comer mas pela digestão.
Se lemos continuamente sem pensar depois no que foi lido, a coisa não se enraíza e a maioria se perde. Em geral não acontece com a alimentação do espírito outra coisa que com a do corpo: nem a qüinquagésima parte do que se come é assimilado, o resto desaparece pela evaporação, pela respiração ou de outro modo.
Acrescente-se a tudo isso que os pensamentos postos no papel nada mais são que pegadas de um caminhante na areia: vemos o caminho que percorreu, mas para sabermos o que ele viu nesse caminho, precisamos usar nossos próprios olhos.
...
É por isso que, no que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante. Esta arte consiste em nem sequer folhear o que ocupa o grande público, o tempo todo, com panfletos políticos ou literários, romances, poemas, etc., que fazem tanto barulho durante algum tempo, atingindo mesmo várias edições no seu primeiro e último ano de vida: deve-se pensar, ao contrário, que quem escreve para palhaços sempre encontra um grande público e consagre-se o tempo sempre muito reduzido de leitura unicamente às obras dos grandes espíritos de todos os tempos e de todos os países, que se destacam do resto da humanidade e que a voz da fama identifica. Só eles educam e ensinam realmente.
Os ruins nunca lemos de menos e os bons nunca relemos demais. Os livros ruins são veneno intelectual: eles estragam o espírito.
Para ler o bom uma condição é não ler o ruim: porque a vida é curta e o tempo e a energia escassos.
Arthur Schopenhauer, Sobre livros e leitura. Über lesen und bücher. Ed. bilíngüe. Trad. de Philippe Humblé e Walter Carlos Costa. Florianópolis: Paraula, 1994, p. 17-19-21; 33 e 35.
Fonte: http://ler-e-escrever.blogspot.com/2007/04/sobre-livros-e-leitura-arthur.html
Ainda sobre o tema:
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u616.jhtm
"Combateu com toda a alma os regimes totalitários e condenou-os em seus livros "Eichmann em Jerusalém" e "As origens do totalitarismo". No primeiro, estuda a personalidade medíocre de Adolf Eichmann, formulando o conceito da "banalidade do mal". Em seus depoimentos, Eichmann disse que cumpria ordens e considerava desonesto não executar o trabalho que lhe foi dado, no caso, exterminar os judeus.
Hannah concluiu que ele dizia a verdade: não se tratava de um malvado ou de um paranóico, mas de um homem comum, incapaz de pensar por si próprio, como a maior parte das pessoas. Essa afirmação é um eco da frase do filósofo e matemático francês Pascal (1623-1662) "Nada é mais difícil que pensar".
sábado, 27 de março de 2010
Bobbio - virtude dos cidadãos
sábado, 13 de março de 2010
Fwd: Einstein e a forca dos juros compostos
quinta-feira, 4 de março de 2010
O penoso trabalho de verificar - Eça de Queiroz
Todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluidas que formamos as nossas maciças conclusões. Para julgar em Política o facto mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento. Para apreciar em Literatura o livro mais profundo, atulhado de ideias novas, que o amor de extensos anos fortemente encadeou—apenas nos basta folhear aqui e além uma página, através do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante. Com que soberana facilidade declaramos—«Este é uma besta! Aquele é um maroto!» Para proclamar—«É um génio!» ou «É um santo!» oferecemos uma resistência mais considerada. Mas ainda assim, quando uma boa digestão ou a macia luz dum céu de maio nos inclinam à benevolência, também concedemos bizarramente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a coroa ou a auréola, e aí empurramos para a popularidade um maganão enfeitado de louros ou nimbado de raios. Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. Não há acção individual ou colectiva, personalidade ou obra humana, sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda E a opinião tem sempre, e apenas, por base aquele pequenino lado do facto, do homem, da obra, que perpassou num relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos. Por um gesto julgamos um carácter; por um carácter avaliamos um povo.
Eça de Queirós, 'A Correspondência de Fradique Mendes'