sábado, 14 de setembro de 2013

Máscaras e liberdade de reunião e de manifestação


Três juristas interpretam o anonimato na Constituição e na Lei de Imprensa




"No que diz respeito ao anonimato, a proibição da anonímia não se aplica ao caso em tela, uma vez que o eventual transgressor poderá, uma vez detido e retirada a máscara, ser identificado. A parte final do inciso IV, do art. 5º, da Constituição Federal, dirige-se, especificamente, às manifestações escritas."

Fonte: 





Lei nº

6528/2013

Data da Lei

11/09/2013

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LEI Nº 6528 DE 11 DE SETEMBRO DE 2013.

      REGULAMENTA O ARTIGO 23 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO.
      O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
      Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


Art. 1º O direito constitucional à reunião pública para manifestação de pensamento será protegido pelo Estado nos termos desta Lei. 

Art. 2º É especialmente proibido o uso de máscara ou qualquer outra forma de ocultar o rosto do cidadão com o propósito de impedir-lhe a identificação.

Parágrafo único. É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

Art. 3º O direito constitucional à reunião pública para manifestação de pensamento será exercido:

I - pacificamente;
II - sem o porte ou uso de quaisquer armas;
III - em locais abertos;
IV - sem o uso de máscaras nem de quaisquer peças que cubram o rosto do cidadão ou dificultem sua identificação;
V - mediante prévio aviso à autoridade policial.
§ 1º – Incluem-se entre as armas mencionadas no inciso II do caput as de fogo, brancas, pedras, bastões, tacos e similares.
§ 2º - Para os fins do inciso V do caput, a comunicação deverá ser feita à delegacia em cuja circunscrição se realize ou, pelo menos, inicie a reunião pública para manifestação de pensamento.
§3º – A vedação de que trata o inciso IV do caput deste artigo não se aplica às manifestações culturais estabelecidas no calendário oficial do Estado.
§4º – Para os fins do Inciso V do caput deste artigo a comunicação deverá ser feita ao batalhão em cuja circunscrição se realize ou, pelo menos, inicie a reunião pública para a manifestação de pensamento;
§5º – Considera-se comunicada a autoridade policial quando a convocação para a manifestação de pensamento ocorrer através da internet e com antecedência igual ou superior a quarenta e oito horas.

Art. 4º As Polícias só intervirão em reuniões públicas para manifestação de pensamento a fim de garantir o cumprimento de todos os requisitos do art. 3º ou para a defesa:
I - do direito constitucional a outra reunião anteriormente convocada e avisada à autoridade policial;
II - das pessoas humanas;
III - do patrimônio público;
IV - do patrimônio privado.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 2013.


SÉRGIO CABRAL
Governador


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Projeto de Lei nº2405/2013Mensagem nº
AutoriaDOMINGOS BRAZÃO, PAULO MELO
Data de publicação12/09/2013Data Publ. partes vetadas

Tipo de RevogaçãoEm Vigor

Texto da Revogação :



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quarta-feira, 26 de junho de 2013

Pontes de Miranda - liberdade e abuso de direito

Para a maioria dos homens, os direitos aparecem como o que eles podem fazer, cobrar, exigir. Têm das situações jurídicas em que se acham, ou em que se acha alguém, impressões de projeção do eu. O mundo é organizado de tal forma que esses direitos, bilhões de direitos numa só cidade – a propriedade dos prédios, dos móveis, das jóias, as notas promissórias, as ações, o ordenado, a entrada dos teatros e cinemas – se lançam, se cruzam, sem que nunca se choquem, ou se firam. Dificilmente se compreende que haja embaraços ao exercício deles, entre si. Por que haviam de não coexistir, confortavelmente, sem se tocarem, o meu direito de autor e o direito dos outros às suas casas, ao seu quintal, à eletricidade que nos serve? Por aí se chega à concepção absolutista, atômica, dos direitos subjetivos. Nenhum depende do outro; nem ofende o outro. Movem-se, convivem, sem nunca se encontrarem. Ainda dos direitos dos condôminos, dos compossuidores, dos sócios, tem-se a idéia pluralística, que não chega a ser, sequer, molecular. Linhas. Não mais do que linhas. E sem que uma atravesse a outra, ou a corte. O egoísmo humano encontra em tal noção da vida jurídica a imagem que mais lhe agrada. O indivíduo como que se libera nesse infinito de órbitas, de trajetórias coerentes e inflexíveis. Assim seria o mundo jurídico. Aqui e ali, uma ou outra limitação dos direitos, mas feita pela lei. Os juristas logo a inserem nas definições, nos efeitos, nas modalidades. E os direitos como que se retraem, para que se não tenha a impressão da restrição, do corte.

Mas o mundo jurídico não é assim. Nunca foi. Os direitos topam uns nos outros. Cruzam-se. Molestam-se. Têm crises de lutas e de hostilidades. Exercendo o meu direito, posso lesar a outro, ainda se não saio do meu direito, isto é, da linha imaginária que é o meu direito (...).

O estudo do abuso do direito é a pesquisa dos encontros, dos ferimentos, que os direitos se fazem. Se pudessem ser exercidos sem outros limites que os da lei escrita, com indiferença, se não desprezo, da missão social das relações jurídicas, os absolutistas teriam razão. Mas, a despeito da intransigência deles, fruto da crença a que se aludiu, a vida sempre obrigou a que os direitos se adaptassem entre si, no plano do exercício. Conceptualmente, os seus limites, os seus contornos, são os que a lei dá, como que põe objetos na mesma maleta ou no mesmo saco. Na realidade, quer dizer – quando se lançam na vida, quando se exercitam – têm de coexistir, têm de conformar-se uns com os outros.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado – Direito das Obrigações.Tomo LIII. Rio de Janeiro: Borsói, 1966, p.66-67.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Dias da Rocha



Joaquim Dias da Rocha Filho, médico, advogado, jornalista, delegado de polícia da antiga capital federal e poeta brasileiro, nasceu no dia 18 de agosto de 1862, na cidade de Curitiba no Paraná.

Dias da Rocha conciliou muito bem essas duas ocupações. Chegou ao posto de delegado depois de se formar bacharel de Direito pela Faculdade de São Paulo em 1886. Alguns anos depois se dedicou às letras, colaborando em diversas publicações periódicas de São Paulo e do Rio de Janeiro. No entanto, desde muito jovem o dom de poeta já tinha se revelado. Muitos de seus poemas, mesmo antes de se tornar bacharel em Direito ou delegado de polícia, haviam sido publicados em vários jornais do Rio de Janeiro.

Dias da Rocha morreu ainda jovem, quando tinha apenas 33 anos de idade, em Paraíba do Sul, cidade fluminense, localizada próxima à divisa com oEstado de Minas Gerais, em 1895.

Fonte:

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Origem do Til

"Acredito que grande parte dos senhores conhece a origem do til. O nosso til não passa de um "n" esticado. A principio se escrevia, verbi gratia, corazon ou coraçon. Passou-se a escrever coraçaon. Com o tempo, tal como muito médico escreve hoje, a letra "n" se foi alongando e, finalmente, transformou-se no nosso conhecidíssimo til. E mudou de lugar: passou lá para cima."

sábado, 20 de abril de 2013

A Máquina do Mundo


A Máquina do Mundo

Carlos Drummond de Andrade



E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa, 
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos 
que era pausado e seco; e aves pairassem 
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo."

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.



Este poema foi escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os tempos por um grupo significativo de escritores e críticos, a pedido do caderno "MAIS" (edição de 02-01-2000), publicado aos domingos pelo jornal "Folha de São Paulo". Publicado originalmente no livro "Claro Enigma", o texto acima foi extraído do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1985, pág. 300.


Conheça o autor e sua obra visitando "Biografias".

 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

SINTO VERGONHA DE MIM - rui barbosa


RUY BARBOSA

Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte deste povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-Mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o 'eu' feliz a qualquer custo,
buscando a tal 'felicidade'
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos 'floreios' para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre 'contestar',
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir o meu Hino

e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo deste mundo!

'De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto'.

terça-feira, 2 de abril de 2013

ESTATUTO DO HOMEM

       ESTATUTO DO HOMEM 
       (Ato Institucional Permanente) 
      
                                              A Carlos Heitor Cony 
      
        Artigo I 
      
       Fica decretado que agora vale a verdade. 
       agora vale a vida, 
       e de mãos dadas, 
       marcharemos todos pela vida verdadeira. 
      
      
       Artigo II

       Fica decretado que todos os dias da semana, 
       inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 
       têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 
      
      
       Artigo III 
      
       Fica decretado que, a partir deste instante, 
       haverá girassóis em todas as janelas, 
       que os girassóis terão direito 
       a abrir-se dentro da sombra; 
       e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, 
       abertas para o verde onde cresce a esperança. 
      
      
       Artigo IV 
      
       Fica decretado que o homem 
       não precisará nunca mais 
       duvidar do homem. 
       Que o homem confiará no homem 
       como a palmeira confia no vento, 
       como o vento confia no ar, 
       como o ar confia no campo azul do céu.

      
               Parágrafo único: 
      
               O homem, confiará no homem 
               como um menino confia em outro menino. 
      
      
       Artigo V 
      
       Fica decretado que os homens 
       estão livres do jugo da mentira. 
       Nunca mais será preciso usar 
       a couraça do silêncio 
       nem a armadura de palavras. 
       O homem se sentará à mesa 
       com seu olhar limpo 
       porque a verdade passará a ser servida 
       antes da sobremesa. 
      
      
       Artigo VI 
      
       Fica estabelecida, durante dez séculos, 
       a prática sonhada pelo profeta Isaías, 
       e o lobo e o cordeiro pastarão juntos 
       e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 
      
      
       Artigo VII

       Por decreto irrevogável fica estabelecido 
       o reinado permanente da justiça e da claridade, 
       e a alegria será uma bandeira generosa 
       para sempre desfraldada na alma do povo. 
      
      
       Artigo VIII 
      
       Fica decretado que a maior dor 
       sempre foi e será sempre 
       não poder dar-se amor a quem se ama 
       e saber que é a água 
       que dá à planta o milagre da flor. 
      
      
       Artigo IX

       Fica permitido que o pão de cada dia 
       tenha no homem o sinal de seu suor. 
       Mas que sobretudo tenha 
       sempre o quente sabor da ternura. 
      
      
       Artigo X

       Fica permitido a qualquer pessoa, 
       qualquer hora da vida, 
       o uso do traje branco. 
      
      
       Artigo XI 
      
       Fica decretado, por definição, 
       que o homem é um animal que ama 
       e que por isso é belo, 
       muito mais belo que a estrela da manhã. 
      
      
       Artigo XII 
      
       Decreta-se que nada será obrigado 
       nem proibido, 
       tudo será permitido, 
       inclusive brincar com os rinocerontes 
       e caminhar pelas tardes 
       com uma imensa begônia na lapela.

      
               Parágrafo único: 
      
               Só uma coisa fica proibida: 
               amar sem amor. 
      
      
       Artigo XIII 
      
       Fica decretado que o dinheiro 
       não poderá nunca mais comprar 
       o sol das manhãs vindouras. 
       Expulso do grande baú do medo, 
       o dinheiro se transformará em uma espada fraternal 
       para defender o direito de cantar 
       e a festa do dia que chegou. 
      
      
       Artigo Final. 
      
       Fica proibido o uso da palavra liberdade, 
       a qual será suprimida dos dicionários 
       e do pântano enganoso das bocas. 
       A partir deste instante 
       a liberdade será algo vivo e transparente 
       como um fogo ou um rio, 
       e a sua morada será sempre 
       o coração do homem.

      Thiago de Mello 
    Santiago do Chile, abril de 1964

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Criação do Homem

"No início já havia tudo.
Mas Deus era cego
e, perante tanto tudo,
o que ele viu foi o Nada.
Deus tocou a água
e acreditou ter criado o oceano.
Tocou o chão
e pensou que a terra nascia sob os seus pés.
E quando a si mesmo se tocou
ele se achou o centro do Universo.
E se julgou divino.
Estava criado o Homem.
"
 —  Mia Couto