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Camus e Sartre: O polêmico fim de uma amizade no pós-guerra
por Manuel da Costa Pinto
Escritor e colunista de literatura
Biografia de uma amizade, com o desfecho dramático de uma ruptura pública. Assim pode ser definido o livro do norte-americano Ronald Aronson sobre as relações entre o escritor Albert Camus e o filósofo Jean-Paul Sartre.
O leitor poderá se perguntar: a quem interessa saber dos bastidores de uma briga entre dois intelectuais franceses nos anos 50? Mas o fato é que o livro de Aronson – Camus e Sartre: O polêmico fim de uma amizade no pós-guerra – é muito mais do que uma história sobre intrigas e rivalidades pessoais.
Sartre foi o papa da filosofia existencialista, uma corrente de pensamento na qual a afirmação de que “o homem está condenado à liberdade” se associava a engajamentos políticos. Para Sartre, as circunstâncias históricas eram uma possibilidade de materializar uma idéia de libertação do homem em relação a quaisquer determinações externas (religião, ideologia ou imposições sociais e econômicas).
Durante muito tempo, Camus foi identificado como existencialista. Havia muitas semelhanças entre ambos. No romance O Estrangeiro, Camus cria uma personagem totalmente indiferente às convenções sociais e que assassina um árabe numa praia da Argélia (seu país natal, no norte da África). Ao longo do julgamento, o protagonista diz que matou “por causa do sol” – expressando, uma idéia de acaso, de gratuidade, que parecia próxima à noção sartriana de contingência. E no ensaio O mito de Sísifo, Camus criou uma noção de absurdo da condição humana, de confrontação com a morte, muito próxima à filosofia de Sartre.
Sartre foi amigo e admirador de Camus até o momento em que este lançou O homem revoltado, livro de 1951 no qual atacava as ideologias que transformavam os engajamentos políticos num fim em si mesmo.
Sartre publicou em sua revista, Les Temps Modernes, um artigo que criticou O homem revoltado de modo impiedoso – gerando uma resposta de Camus e uma réplica de Sartre que selou a ruptura entre ambos.
O pano de fundo da polêmica era o fato de que Sartre estava alinhado aos comunistas no momento em que os crimes de Stalin na União Soviética estavam sendo divulgados. Camus se opunha radicalmente à idéia de que os fins justificavam os meios, de que a eficácia política poderia cancelar valores éticos – e por isso foi ridicularizado por Sartre como porta-voz de uma moral de Cruz Vermelha.
O livro de Aronson examina todas as nuances desse período conturbado da guerra fria e traz uma revelação: a existência de uma peça teatral intitulada O improviso dos filósofos, em que Camus satiriza o existencialismo de Sartre e que permaneceu inédita até recentemente. Detalhe importante: Camus escreveu O improviso dos filósofos muito antes da polêmica com Sartre – sinal de que já adivinhava disputas ideológicas que permanecem válidas até hoje.
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