domingo, 27 de dezembro de 2009
A coruja de Minerva voa só no cair da tarde (Hegel)
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Intertextual e plágio
Eça de Queirós - personagens e cenas jurídicas de um homem do Direito
Apanhou do pé o fruto, partiu-o ao meio e espremendo a sua carne foi retirando pouco a pouco o suco de seu interior.
Pode-se, assim, ilustrar o difícil ato da expressão do pensamento humano.
A pintura, a música, o verso – e assim por diante – configuram-se realizações marcadas de pessoalidade – "o suco de seu interior".
Não é de estranhar, portanto, que essas expressões artísticas consigam até mesmo revelar seu autor simplesmente pelos traços característicos que dele carregam.
E quando isso se dá, temos aí, verdadeiramente, uma obra original.
Na mão contrária à originalidade, temos a cópia. E em sua pior expressão, pois quer ter caráter de original, o plágio. É como assinar um trabalho que não se fez.
Foi do que Eça de Queirós foi acusado pela obra o "Crime do Padre Amaro", conforme ele mesmo nos relata nas "Cartas Inéditas de Fradique Mendes".
Aquele livro havia recebido certa atenção da crítica, em vista da publicação anterior de "O Primo Basílio", e escreveu-se, sem qualquer prova efetiva, que a obra não passava de uma imitação do romance "La Faute de l'Abbé Mouret", de Émile Zola.
Será ? Será que o "Crime do Padre Amaro" era resultado de uma ação astuciosa ou aproveitadora por parte de Eça de Queirós ?
Não, definitivamente não. E o autor português tratou de provar isso.
Em preliminar, argumentou quanto às datas de produção dos dois livros : sua obra portuguesa havia sido escrita em 1871, lido por alguns amigos em 1872 e publicado em 1874, a obra francesa fora escrita e publicada em 1874.
No mérito, foi ao enredo dos livros. Bastava a leitura para constatar o originalidade das obras. Explicava o autor português : "La Faute de l'Abbé Mouret é, no seu episódio central, o quadro alegórico da iniciação do primeiro homem e da primeira mulher no amor" ; já o "Crime do Padre Amaro" tinha no enredo uma "simples intriga de clérigos e de beatas, tramada e murmurada à sombra duma velha Sé de província portuguesa".
Apesar do transtorno Eça de Queirós não guardou mágoas. Disse mais tarde : "eu, por mim, adoro a crítica: leio-a com unção, noto as suas observações, corrijo-me quando as suas indicações me parecem justas, desejo fazer minha a sua experiência das coisas humanas".
Mas como nem todos tem a grandeza do autor português, especialmente no que diz respeito à originalidade, vale a pena insistir um pouco mais na questão do plágio.
Pelo artigo 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal de 1988 , bem como pela lei nº 9.610/98 – que altera, atualiza e consolida a legislação sobre os direitos autorais e dá outras providências – cabe apenas ao autor o direito exclusivo de utilizar ou dispor da sua obra. O desrespeito à lei, previsto no artigo 184 do Código Penal, gera detenção de 3 meses a 1 ano, ou então multa. Só que para poder requerer os direitos previstos em lei, é necessário que a obra - texto escrito, fotografia, partitura musical etc. – esteja devidamente registrada na Biblioteca Nacional.
Intertextual
Mas não confundamos alhos com bugalhos, quer dizer, plágio com "intertextualidade". Este termo, conforme define o léxico, designa a "superposição de um texto a outro". Trata, portanto, da absorção e transformação de uma multiplicidade de textos para a produção de outro. A princípio pode parecer plágio, alguns chegam até a definir esse uso como "plágio criativo", mas a diferença está no acréscimo ou enriquecimento que se presta à ideia original e na homenagem que se faz ao seu autor.
Quer ver um exemplo ? Vamos então a um dos mais notáveis nomes da música brasileira, Chico Buarque. Quem nunca ouviu esses versos da letra "Até o Fim" ?
"Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim"
Como base para a composição, "Poema de Sete Faces", de Carlos Drummond de Andrade :
"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida"
Não parece haver dúvida que os versos do Julinho da Adelaide sejam "o suco de seu interior", espremido com suas vivências e leituras seletas.
Enfim, independente de lei ou mesmo de questões éticas, uma coisa é certa : melhor criar que copiar.
Mesmo porque, sem esforço o cérebro atrofia.
Fonte:
http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=97726
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
O Haver - Vinícius
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
15/04/1962
Vinicius de Moraes - Poética
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Se um árvore cai no meio da floresta e não há ninguém perto, ela faz barulho?
domingo, 18 de outubro de 2009
AVISOS PAROQUIAIS
Assunto da catequese de amanhã: Em busca de Jesus.'
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Quando Você Crescer - Raul
Aguma coisa importante
Um cara muito brilhante
Quando você crescer
Não adianta, perguntas não valem nada
É sempre a mesma jogada
Um emprego e uma namorada
Quando você crescer
E cada vez é mais difícil de vencer
Pra quem nasceu pra perder
Pra quem não é importante...
É bem melhor
Sonhar, do que conseguir
Ficar em vez de partir
Melhor uma esposa ao invés de uma amante
Uma casinha, um carro à prestação
Saber de cor a lição, Que no...
Que no bar não se cospe no chão, nego
Quando você crescer
Alguns amigos da mesma repartição
Durante o fim-de-semana
Se vai mais tarde pra cama
Quando você crescer
E no subúrbio, com flores na sua janela
Você sorri para ela
E dando um beijo lhe diz:
Felicidade
é uma casa pequenina
e amar uma menina
E não ligar pro que se diz.
Belo casal que paga as contas direito
bem comportado no leito
Mesmo que doa no peito
Sim...
Quando você crescer
E o futebol te faz pensar que no jogo
Você é muito importante
Pois o gol é o seu grande instante
Quando você crescer
Um cafézinho mostrando o filho pra vó
Sentindo o apoio dos pais
Achando que não está, só
Quando você crescer
Quando você crescer
Quando você crescer
Súplica cearense
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Meu Deus, será que o Senhor se zangou?
E só por isso o sol "arretirou"
Fazendo cair toda chuva que há
Meu Deus, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedi pra chover, pra chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Meu Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoa
E eu acho que a culpa foi
Deste pobre que nem sabe fazer uma oração
Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E ter-lhe um pedido cheio de mágoa
Pro sol me clemente se "arretirar"
Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir pra acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará
Que sempre queimou o meu Ceará
Que sempre queimou o meu Ceará
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Sociedade Alternativa - Raul Seixas
Todo homem e toda mulher é uma estrela, não existe Deus se não o próprio homem, o homem tem o direito de viver pela sua própria lei.
De viver da maneira que ele quiser, de trabalhar como ele quiser, de gritar como ele quiser, de descansar como ele quiser, de morrer como ele quiser.
O homem tem o direito de comer o que ele quiser, de beber, de fumar o que ele quiser, o homem tem o direito de morrer da maneira que ele quiser, o homem tem o direito de pensar no que ele quiser, de falar no que ele quiser, de escrever o que ele quiser, desenhar, pintar, esculpir, gravar, contar, construir, destruir.
O homem tem o direito de amar, como e com quem ele quiser, o amor é a lei, o amor sobre a vontade viva!"
"Krig-Ha, Bandolo foi o primeiro disco solo de Raul Seixas em 1973, nos seus shows foram distribuídos o Manifesto/Gibi Krig-Ha, nascendo assim as bases para a SALT, Sociedade Alernativa, pregada por Raul Seixas e Paulo Coelho, inspirada no Livro das Leis de Aleister Crowley.Entre as heranças nos deixadas por Raul, além das suas maravilhosas e irreverentes músicas, podemos destacar o Jargão "Toca Raul!", que ecoa desde a década de 80 em vários shows de diversos artistas."
Fonte: http://alexhuche.blogspot.com/2009/08/20-anos-sem-raul-seixas-salt-continua.html
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Saúde mental - Rubem Alves
Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia.Eu me explico.Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se.Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakoviski suicidou-se.
Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou.
Pensar é uma coisa muito perigosa... Não, saúde mental elas não tinham... Eram lúcidas demais para isso.Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata.Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental.Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvir falar de político que tivesse depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.
Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos.Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". Hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software.
O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem.Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software.Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam.
Não se conserta um programa com chave de fenda.Porque o software é feito de símbolos e, somente símbolos, podem entrar dentro dele.Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção!
Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio:A música que saia de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou... Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, "saúde mental" até o fim dos seus dias.
Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes.A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música... Brahms, Mahler, Wagner, Bach são especialmente contra-indicados. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Tranquilize-se há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago?
Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato.Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal.Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram..."
"Sobre o tempo e a eternidade" Campinas: Ed. Papirus, 1996.
domingo, 4 de outubro de 2009
Mercedes Sosa - Gracias a la Vida
Me dió dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Me ha dado el oído, que en todo su ancho
Traba noche y dia grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano y luz alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio
Me dió el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la Vida ( Tradução em português)
Obrigado à Vida
Nota de Juca Ferreira, Ministro da Cultura:
"Gracias, Mercedes"
Aquela que cantou a vida permanece nos quatro cantos da nossa América. Uma voz potente que, ao demolir fronteiras, nos ensinou algo muito além dos territórios e bandeiras. Com Mercedes Sosa aprendemos o quanto temos a compartilhar como povos e nações. Ela nos deu o sentido de lugar, de pertencimento a uma latinidade que nos consagra em beleza e tragédias comuns.
Voz e atitude comprometida da mulher fraterna pela arte ibero-americana. Voz imortal que continuará em nossas vozes, por ter dado tantas graças à vida e que esta fosse uma vida de tempos melhores, por isso - e portanto - para nós permanece o seu canto… gracias, Mercedes, "que nos ha dado tanto"!
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Luís Fernando Veríssimo
Dez Coisas que Levei Anos Para Aprender
1. Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa.
2. As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.
3. Ninguém liga se você não sabe dançar. Levante e dance.
4. A força mais destrutiva do universo é a fofoca.
5. Não confunda nunca sua carreira com sua vida.
6. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, tome um remédio para dormir e um laxante na mesma noite.
7. Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões".
8. Há uma linha muito tênue entre "hobby" e "doença mental".
9. Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.
10. Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.
Economia e arte - Veríssimo
01 de outubro de 2009 | N° 16111
-
Economia e arte
Sessenta e três anos depois da sua morte, John Maynard Keynes volta a ser atual, ou pelo menos volta a ser assunto. O padroeiro do Estado intervencionista e filósofo do capitalismo responsável está presente em todas as discussões sobre a crise e suas soluções, e nunca um fantasma foi tão eloquente. Discute-se não se ele estava certo, mas em que dosagem suas receitas são aplicáveis, hoje. E como ele voltou dos mortos especula-se, de novo, sobre a sua vida. Até que ponto o fato de ser um intelectual de fino trato, um amante da arte, frequentador dos salões de Bloomsbury em Londres (Virginia Woolf, Lytton Strachey, aquela turma), influenciou suas ideias sobre economia? Talvez o que se manifestava como uma preocupação com a moral do capitalismo fosse uma preocupação estética. Ou talvez as duas coisas se completassem. Ao amoralismo do mercado, Keynes antepunha as virtudes clássicas da arte: equilíbrio, sentido, humanidade. E bom gosto.
***
O romancista e ensaísta inglês John Lanchester tem escrito sobre economia e arte, mas comparando as rupturas na economia mundial que deram na crise atual com rupturas na história da arte. Assim, ele diz que a revogação (no governo Clinton) da lei promulgada depois da Grande Depressão que proibia bancos de serem financeiras teve o mesmo efeito na economia que o pós-moderno teve na literatura. Sem as regras antigas, tudo era permitido, e atividade bancária tradicional se misturava com o aventureirismo da especulação financeira como, na literatura pós-moderna, os estilos se misturam e a fronteira entre comédia e tragédia se dilui. Para Lanchester, a criação dos derivativos, ou da possibilidade de dinheiro produzir dinheiro numa escala nunca antes imaginada, e sem qualquer relação com indústria, comércio ou qualquer outro tipo de negócio concreto, equivale ao advento do abstracionismo na arte. Os derivativos são desassociados da realidade física do mesmo modo que um quadro abstrato é forma representando nada, ou só representando a si mesma.
***
Não sei que revolução artística Lanchester evocaria para comparar com casos estranhos como o da China, onde o comunismo promove o maior sucesso capitalista do momento, ou do Brasil, onde quem mais gosta do governo de origem popular são os banqueiros. Provavelmente o surrealismo.
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quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Fernando Pessoa - Todas as cartas de amor...
Todas as cartas de amor...
Fernando Pessoa
(Poesias de Álvaro de Campos)
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos, 21/10/1935
http://www.youtube.com/watch?v=Km1_yEmWDUE
Antonio Cícero - EU VI O REI
EU VI O REI
(Marina Lima/ Antonio Cícero)
Eu vi o rei chegar...
Um rei assim
Que não escuta bem
Que adora a luz
Mas não vê ninguém
Prefere olhar
O horizonte, o céu
Longe daqui é tudo seu
Eu vi o rei chegar...
Seu sangue azul
Ninguém diz de onde vem
De que sertão
De que mar, que além
E para nós
Ele jamais se abriu
Só uma vez
Quando partiu
Eu vi o rei chegar...
Um rei assim
Cultiva a solidão
Sombria flor
No coração
E claro é
Que o pêndulo do amor
Às vezes vai
Até a dor
Eu vi o rei chegar...
Devo dizer
Que eu não sofri demais
Mas devo dizer
Que eu acordei
Mesmo sem ser
Tudo que eu imaginei
Devo dizer
Que eu o amei
Eu vi o rei chegar...
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Tupi, or not tupi that is the question
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Ideologia - Cazuza
Composição: Cazuza / Frejat
Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas
Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato
Que eu nem acredito
Ah! eu nem acredito...
Que aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora
As festas do "Grand Monde"...
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma prá viver
Ideologia!
Eu quero uma prá viver...
O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs
Não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar
A conta do analista
Prá nunca mais
Ter que saber
Quem eu sou
Ah! saber quem eu sou..
Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro...
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma prá viver
Ideologia!
Prá viver...
Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro...
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma prá viver
Ideologia!
Eu quero uma prá viver..
Ideologia!
Prá viver
Ideologia!
Eu quero uma prá viver...
sábado, 26 de setembro de 2009
Asa Branca e White Wings do Raul
Asa Branca
Composição: Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira
Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação 2x
Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de plantação
Por falta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão 2x
Até mesmo o asa branca
Bateu asas do sertão
Então eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração 2x
Hoje longe muitas léguas,
nessa triste solidão,
espero a chuva cair de novo,
pra eu voltar pro meu sertão. 2x
Quando o verde dos teus olhos,
se espalha na plantação, eu te
asseguro, não chores naõ, viu
eu voltarei meu coração. 2x
http://pt.wikipedia.org/wiki/Asa_Branca
"O tema da canção é a seca no Nordeste brasileiro que é muito intensa, a ponto de fazer migrar até mesmo a ave asa-branca (columba picazuro, uma espécie de pombo). A seca obriga, também, um rapaz a mudar da região. Ao fazê-lo, ele promete voltar um dia para os braços do seu amor."
White Wings (translation)
http://www.youtube.com/watch?v=mbt8FZhnQgE
When i stare the ground of
My land
Burning loose as dancing flames
I asked man there upon
The heavens
If i deserve me this kind of pain
I asked the man there upon
The heavens
If i deserve me this kind of pain
Everywhere the ground is so dry
There's no trees, no green, just red
I lost my cattle, my apaloosa
For lack of water some took away
I lost my cattle, my apaloosa
For lack of water some took away
Even white winged birds flew away
Flew away from my land sight
It was when i said goodbye
Sweet rosie
Keep in to your heart, this heart
Of mine
It was when i said goodbye
Sweet rosie
Keep in to your heart, this heart
Of mine
Many thousands miles away, now
Feeling lonely, lost and blue
I keep on waiting rain falls again there
So i'll be back thou home again
I keep on waiting rain falls again there
So i'll be back thou home again
When the glow green of your eyes
Flows again all over land
I can asure you, so don't
You cry, no
'cause i'll be back, see
To you again!!
I can asure you, so don't
You cry, no
'cause i'll be back, see
To you again!!
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
O Amor
Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração para de funcionar
por alguns segundos, preste atenção. Pode ser a pessoa mais importante da
sua vida.
Se os olhares se cruzarem e neste momento houver o mesmo brilho intenso
entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o
dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante e os olhos
encherem d'água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do dia for essa pessoa, se a vontade de
ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um
presente divino: o amor.
Se um dia tiver que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em troca
receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais
que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.
Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a
outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las
com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer
momento de sua vida.
Se você conseguir em pensamento sentir o cheiro da pessoa como se ela
estivesse ali do seu lado... se você achar a pessoa maravilhosamente linda,
mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos
emaranhados...
Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro que
está marcado para a noite... se você não consegue imaginar, de maneira
nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...
Se você tiver a certeza que vai ver a pessoa envelhecendo e, mesmo assim,
tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela... se você preferir
morrer antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida. É uma
dádiva.
Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou
encontram um amor verdadeiro. Ou às vezes encontram e por não prestarem
atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer
verdadeiramente.
É o livre-arbítrio. Por isso preste atenção nos sinais, não deixe que as
loucuras do dia a dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o amor.
Carlos Drummond de Andrade
terça-feira, 8 de setembro de 2009
Olhe aqui, Mr. Buster (Vinícius de Moraes)
Vinícius de Moraes
Este poema é dedicado a um americano simpático, extrovertido e podre de rico, em cuja casa estive poucos dias antes da minha volta ao Brasil, depois de cinco anos de Los Angeles, E.U.A. Mr. Buster não podia compreender como é que eu, tendo ainda o direito de permanecer mais um ano na Califórnia, preferia, com
grande prejuízo financeiro, voltar para a "Latin America", como dizia ele. Eis aqui a explicação, que Mr. Buster certamente não receberá, a não ser que esteja morto e esse negócio de espiritismo funcione.
Olhe aqui, Mr. Buster: está muito certo
Que o Sr. tenha um apartamento em Park Avenue e uma casa em Beverly Hills.
Está muito certo que em seu apartamento de Park Avenue
O Sr. tenha um caco de friso do Partenon, e no quintal de sua casa em Hollywood
Um poço de petróleo trabalhando de dia para lhe dar dinheiro e de noite para lhe dar insônia
Está muito certo que em ambas as residências
O Sr. tenha geladeiras gigantescas capazes de conservar o seu preconceito racial
Por muitos anos a vir, e vacuum-cleaners com mais chupo
Que um beijo de Marilyn Monroe, e máquinas de lavar
Capazes de apagar a mancha de seu desgosto de ter posto tanto dinheiro em vão na guerra da
Coréia.
Está certo que em sua mesa as torradas saltem nervosamente de torradeiras automáticas
E suas portas se abram com célula fotelétrica. Está muito certo
Que o Sr. tenha cinema em casa para os meninos verem filmes de mocinho
Isto sem falar nos quatro aparelhos de televisão e na fabulosa hi-fi
Com alto-falantes espalhados por todos os andares, inclusive nos banheiros.
Está muito certo que a Sra. Buster seja citada uma vez por mês por Elsa Maxwell
E tenha dois psiquiatras: um em Nova York, outro em Los Angeles, para as duas "estações" do
ano.
Está tudo muito certo, Mr. Buster – o Sr. ainda acabará governador do seu estado
E sem dúvida presidente de muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas.
Mas me diga uma coisa, Mr. Buster
Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster:
O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?
O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal?
O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Ciclistas e judeus
São os judeus os responsáveis pela desgraça alemã, não?
- Sim - disse o homem - os judeus e os ciclistas.
Os nazistas ficaram perplexos:
- Por que os ciclistas?
- E por que os judeus? - perguntou o judeu.
Salsichas e leis - Bismarck
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Educação
Henry P. Brougham - Político e advogado britânico
quarta-feira, 22 de julho de 2009
A Linguagem Secreta do Cinema - Jean Claude Carrière
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Prodigiosa Ciência (Eduardo Galeano sobre Michael Jackson)
quarta-feira, 1 de julho de 2009
Euclides da Cunha - Justiça e tragédia de Piedade
"A justiça, [...] como tudo, é essencialmente relativa. Rodeiam-na as circunstâncias do momento e é impossível caracterizar-se qualquer de suas manifestações, sem a consideração preliminar das causas que a produziram."
Euclides da Cunha
Sobre a tragédia de Piedade:
Adams (power)
"Power always thinks it has a great soul and vast views beyond the comprehension of the weak; and that it is doing God's service when it is violating all his laws."
John Adams
2nd US president
(1735-1826)
domingo, 28 de junho de 2009
Lamento Sertanejo
Lamento sertanejo
dominguinhos
Composição: Dominguinhos / Gilberto Gil
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga e do roçado
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigo
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado
Por ser de lá
Na certa, por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão, boiada caminhando à esmo
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Um cinturão - Graciliano Ramos
Um cinturão
Graciliano Ramos
As minhas primeiras relações com a justiça foram dolorosas e deixaram-me funda impressão. Eu devia ter quatro ou cinco anos, por aí, e figurei na qualidade de réu. Certamente já me haviam feito representar esse papel, mas ninguém me dera a entender que se tratava de julgamento. Batiam-me porque podiam bater-me, e isto era natural.
Os golpes que recebi antes do caso do cinturão, puramente físicos, desapareciam quando findava a dor. Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda nodosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. Moído, virando a cabeça com dificuldade, eu distinguia nas costelas grandes lanhos vermelhos. Deitaram-me, enrolaram-me em panos molhados com água de sal – e houve uma discussão na família. Minha avó, que nos visitava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se. Irritada, ferira-me à toa, sem querer. Não guardei ódio a minha mãe: o culpado era o nó. Se não fosse ele, a flagelação me haveria causado menor estrago. E estaria esquecida. A história do cinturão, que veio pouco depois, avivou-a.
Meu pai dormia na rede, armada na sala enorme. Tudo é nebuloso. Paredes extraordinariamente afastadas, rede infinita, os armadores longe, e meu pai acordando, levantando-se de mau humor, batendo com os chinelos no chão, a cara enferrujada. Naturalmente não me lembro da ferrugem, das rugas, da voz áspera, do tempo que ele consumiu rosnando uma exigência. Sei que estava bastante zangado, e isto me trouxe a covardia habitual. Desejei vê-lo dirigir-se a minha mãe e a José Baía, pessoas grandes, que não levavam pancada. Tentei ansiosamente fixar-me nessa esperança frágil. A força de meu pai encontraria resistência e gastar-se-ia em palavras.
Débil e ignorante, incapaz de conversa ou defesa, fui encolher-me num canto, para lá dos caixões verdes. Se o pavor não me segurasse, tentaria escapulir-me: pela porta da frente chegaria ao açude, pela do corredor acharia o pé do turco. Devo ter pensado nisso, imóvel, atrás dos caixões. Só queria que minha mãe, sinhá Leopoldina, Amaro e José Baía surgissem de repente, me livrassem daquele perigo.
Ninguém veio, meu pai me descobriu acocorado e sem fôlego, colado ao muro, e arrancou-me dali violentamente, reclamando um cinturão. Onde estava o cinturão? Eu não sabia, mas era difícil explicar-me: atrapalhava-me, gaguejava, embrutecido, sem atinar com o motivo da raiva. Os modos brutais, coléricos, atavam-me; os sons duros morriam, desprovidos de significação.
Não consigo reproduzir toda a cena. Juntando vagas lembranças dela a fatos que se deram depois, imagino os berros de meu pai, a zanga terrível, a minha tremura infeliz. Provavelmente fui sacudido. O assombro gelava-me o sangue, escancarava-me os olhos.
Onde estava o cinturão? Impossível responder. Ainda que tivesse escondido o infame objeto, emudeceria, tão apavorado me achava. Situações deste gênero constituíram as maiores torturas da minha infância, e as conseqüências delas me acompanharam.
O homem não me perguntava se eu tinha guardado a miserável correia: ordenava que a entregasse imediatamente. Os seus gritos me entravam na cabeça, nunca ninguém se esgoelou de semelhante maneira.
Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro. A horrível sensação de que me furam os tímpanos com pontas de ferro.
Onde estava o cinturão? A pergunta repisada ficou-me na lembrança: parece que foi pregada a martelo.
A fúria louca ia aumentar, causar-me sério desgosto. Conservar-me-ia ali desmaiado, encolhido, movendo os dedos frios, os beiços trêmulos e silenciosos. Se o moleque José ou um cachorro entrasse na sala, talvez as pancadas se transferissem. O moleque e os cachorros eram inocentes, mas não se tratava disto. Responsabilizando qualquer deles, meu pai me esqueceria, deixar-me-ia fugir, esconder-me na beira do açude ou no quintal. Minha mãe, José Baía, Amaro, sinhá Leopoldina, o moleque e os cachorros da fazenda abandonaram-me. Aperto na garganta, a casa a girar, o meu corpo a cair lento, voando, abelhas de todos os cortiços enchendo-me os ouvidos – e, nesse zunzum, a pergunta medonha. Náusea, sono. Onde estava o cinturão? Dormir muito, atrás de caixões, livre do martírio.
Havia uma neblina, e não percebi direito os movimentos de meu pai. Não o vi aproximar-se do torno e pegar o chicote. A mão cabeluda prendeu-me, arrastou-me para o meio da sala, a folha de couro fustigou-me as costas. Uivos, alarido inútil, estertor. Já então eu devia saber que gogos e adulações exasperavam o algoz. Nenhum socorro. José Baía, meu amigo, era um pobre-diabo.
Achava-me num deserto. A casa escura, triste; as pessoas tristes. Penso com horror nesse ermo, recordo-me de cemitérios e de ruínas mal-assombradas. Cerravam-se as portas e as janelas, do teto negro pendiam teias de aranha. Nos quartos lúgubres minha irmãzinha engatinhava, começava a aprendizagem dolorosa.
Junto de mim, um homem furioso, segurando-me um braço, açoitando-me. Talvez as vergastadas não fossem muito fortes: comparadas ao que senti depois, quando me ensinaram a carta de A B C, valiam pouco. Certamente o meu choro, os saltos, as tentativas para rodopiar na sala como carrapeta eram menos um sinal de dor que a explosão do medo reprimido. Estivera sem bulir, quase sem respirar. Agora esvaziava os pulmões, movia-me num desespero.
O suplício durou bastante, mas, por muito prolongado que tenha sido, não igualava a mortificação da fase preparatória: o olho duro a magnetizar-me, os gestos ameaçadores, a voz rouca a mastigar uma interrogação incompreensível.
Solto, fui enroscar-me perto dos caixões, coçar as pisaduras, engolir soluços, gemer baixinho e embalar-me com os gemidos. Antes de adormecer, cansado, vi meu pai dirigir-se à rede, afastar as varandas, sentar-se e logo se levantar, agarrando uma tira de sola, o maldito cinturão, a que desprendera a fivela quando se deitara. Resmungou e entrou a passear agitado. Tive a impressão de que ia falar-me: baixou a cabeça, a cara enrugada serenou, os olhos esmoreceram, procuraram o refúgio onde me abatia, aniquilado.
Pareceu-me que a figura imponente minguava – e a minha desgraça diminuiu. Se meu pai se tivesse chegado a mim, eu o teria recebido sem o arrepio que a presença dele sempre me deu. Não se aproximou: conservou-se longe, rondando, inquieto. Depois se afastou.
Sozinho, vi-o de novo cruel e forte, soprando, espumando. E ali permaneci, miúdo, insignificante, tão insignificante e miúdo como as aranhas que trabalhavam na telha negra.
Foi esse o primeiro contato que tive com a justiça.
(RAMOS, Graciliano. Um Cinturão. In: Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Org. MORICONI, Ítalo. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2000, p.144-146)
E lucevan le stelle
Italian | Translation in English |
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E lucevan le stelle, Entrava ella fragrante, O dolci baci, o languide carezze, | And the stars were shining, Oh! sweet kisses, oh! languid caresses, |
Mai e poi mai
mas tu não sabes
o que significa beijar a boca tua.
Pra mim significa
amar, sofrer, tremer de medo,
tenho medo que me deixas amor meu
e se me deixas eu não, não vivo mais.
Nunca e ainda nunca
amei tanto assim na minha vida,
mas tu não sabes
o que significa beijar a boca tua.
Pra mim significa
amar, sofrer, tremer de medo,
tenho medo que me deixas amor meu
e se me deixas eu não, não vivo mais.
Nunca e ainda nunca
amei tanto assim na minha vida,
mas tu não sabes
o que significa beijar a boca tua.
Nunca e ainda nunca!